Gostaríamos de convidá-los a fazer essa reflexão sobre o analfabetismo, pois temos percebido em muitas postagens pelo Facebook uma constante afirmação dos preconceitos contra pessoas analfabetas. Por que existe tanto preconceito contra pessoas analfabetas? Afinal o que adianta ler um montão de livros, mas continuar tratando pessoas que não sabem ler nem escrever como motivo de piada? Por que pessoas que se consideram leitoras e instruídas fazem piada com o analfabetismo? Esses são alguns relatos que recebemos de amigos no Facebook.
Falta de incentivo e solidariedade
"Muitas pessoas que não são alfabetizadas sofrem com a falta de incentivo e de solidariedade. Precisamos evoluir. O analfabetismo não é engraçado, é triste e ao invés de dar gargalhadas, que tal lutarmos a favor destas pessoas que são esquecidas pela sociedade? Se a gente só se manifesta para rir das pessoas que por motivos muito particulares não aprenderam a ler nem a escrever quando elas escrevem errado, que contribuição estamos fazendo para o mundo ser um lugar menos hostil"?
Sofrimento
"Depois que comecei a ter contato com esta outra parte da sociedade, consegui sentir a realidade do sofrimento e isto não tem graça nenhuma. As pessoas não alfabetizadas querem saber ler e não querem ser menosprezadas por isto, elas querem apenas uma oportunidade".
Respeito
"Precisamos tratá-las com respeito e mostrar que todos podem ter acesso ao mundo letrado. Conheço muita gente que depois de ter buscado conhecimento nesse universo ganhou autoestima e pode se inserir em muitos espaços aos quais não se adaptavam por falta de repertório linguístico. Até porque na troca de vivências todo mundo sai ganhando. Respeito sim e o acesso ao mundo letrado deve ser garantido e estimulado".
Mais leitura deveria ser sinônimo de uma maior empatia
"Penso que se realmente estamos lendo essa quantidade de livros que afirmamos ler, cada vez mais devemos ser capazes de nos colocar no lugar do outro, porque a leitura de determinados livros e autores liberta a mente de preconceitos, nos torna pessoas mais abertas para enfrentar as dificuldades do mundo e para colaborar com a resolução de problemas. Que as leituras nos sirvam para desenvolver a empatia e perceber que o analfabetismo não é motivo de piada, é sim um problema muito sério em nosso país".
Ensinar a ler e a escrever
"Quando eu era pequena, lá pelos meus 8 anos, morava em uma vila na periferia da cidade. Estudava pela tarde e pela manhã ficava em casa brincando. Tínhamos uma vizinha, a Sueli, que já era idosa, tinha lá seus 60 anos, e ela morava em uma casinha de duas peças, bem pequena, sem banheiro, sem água encanada, somente uma torneira do lado de fora, em um tanque. Banheiro era uma "casinha" improvisada, perto da sanga que passava nos fundos das nossas casas. Pois bem, fui ficando muito amiga da Sueli. Ela cuidava de mim e de minha irmã quando meus pais saíam, ou quando a mãe tinha que ir no armazém comprar alguma coisa. A amizade foi crescendo e eu passei a ficar horas e horas na casa dela. Aproveitava e filava almoço, café ou janta. Se eu não aparecia, ela levava a comidinha pra mim. Com o tempo percebi que a Sueli não sabia ler, então, passei a ler histórias para ela. Lia meus livros escolares e algum ou outro que eu trazia da biblioteca. Ela foi tomando muito gosto pelas letras e um belo dia, fiz com que ela segurasse um lápis e colocando minha mãozinha sobre a dela, a ajudei a escrever seu nome. E assim, os dias foram passando e eu ensinando a querida amiga Sueli a conhecer todas as letras, seus sons e sua escrita. E logo vieram as palavras e frases, e em menos de um ano, a minha melhor amiga, carinhosa, cuidadosa e não alfabetizada descobriu um mundo novo, tornou-se independente. A Sueli passou a fazer a lista do mercado e a escrever para seu filho que morava longe. Nunca esquecerei desta senhora, pois nossa amizade foi uma linda troca de histórias, conhecimento, amor e respeito. Fiquei
emocionada lembrando dela. Muita saudade! Ela já se foi... Tão amada...E ela me
ensinou a bordar...E eu ficava na cama dela, no inverno, bordando e lendo".
Vida inteira de analfabetismo
Minha avó era analfabeta e ainda criança perguntei se ela gostaria de aprender a ler. Ela me deu uma resposta que dói até hoje: disse que já era velha e não tinha mais porque aprender a ler e escrever. Ela já havia passado a vida toda se virando da forma que podia. As pessoas da época dela largavam cedo a escola para trabalhar na roça. Ela andava de ônibus a cidade inteira e fazia serviço de banco. Conhecia os números e as cédulas de dinheiro, havia aprendido com a vida a contar o troco. Mas ficava triste de assinar documentos com a digital do dedão. É muito triste saber que chegada a uma certa idade, depois de uma vida sem alfabetização as pessoas se convencem de que aquilo não é necessário, pois conseguiram se virar a vida inteira assim. Mas o que de fato estamos fazendo por elas? Por que permitimos que as pessoas passem a vida inteira com tantas dificuldades relacionadas ao analfabetismo?
Estabelecer uma linguagem acessível
Trabalhei em uma farmácia que era frequentada por muitas pessoas que não sabiam ler nem escrever. Elas passavam por grandes dificuldades não por causa da letra dos médicos, mas porque elas não sabiam ler. Então tínhamos que ler as receitas e as bulas dos remédios para elas. Você precisa estabelecer uma outra linguagem bem mais acessível, pois muitas pessoas também não sabiam contar nem conheciam os números. E era preciso facilitar esse acesso para elas, para que elas pudessem tomar a medicação de maneira correta.
* Obrigada à todas as pessoas que colaboraram com a reflexão. Quem quiser colaborar com relatos pessoais sobre vivências com pessoas analfabetas e analfabetismo, é só enviar para contato@bibliotecasdobrasil.com ou usar a caixa de comentários desse post.
Arte: Juliano Rocha
Foto de: André Luiz Guedes Fontes