Contra o proselitismo religioso e partidário em bibliotecas livres
Temos notado o surgimento de pessoas que estão utilizando o termo 'bibliotecas livres' e também diversas ações de livros livres para fortalecer projetos que estão amarrados à organizações religiosas, criados por pessoas que são agentes de doutrinas religiosas ou de partidarismo, e também por aqueles que utilizam bibliotecas comunitárias para preparar o terreno para lançar suas próprias candidaturas.
Essas iniciativas utilizam o termo ‘biblioteca livre’ e as ideias relacionadas ao empréstimo gratuito de livros e à facilidade de acesso à leitura para atrair e ludibriar o maior número de pessoas possível a frequentar seus projetos. Elas dissimulam o real propósito de seus projetos de incentivo à leitura que é agir para o proselitismo, seja na tarefa de arrebanhar fiéis para uma organização religiosa ou fidelizar eleitores em benefício de um partido político/candidato. Ou ambos.
Esta exploração dos segmentos mais vulneráveis da sociedade está enraizada em organizações religiosas e partidárias que praticam a apropriação de ideias populares e as desvirtuam para promover suas campanhas de conversão à força ou baseadas em trocas.
Nesses casos o termo ‘biblioteca livre’ tem sido usado de maneira deplorável, visto que para frequentá-las as pessoas terão que se submeter e passar por condições para ter acesso aos livros.
A biblioteca livre vira ponto de distribuição de livros e material impresso com apelo religioso ou partidário e as pessoas que frequentam o local são expostas à propaganda religiosa ou política não solicitada e imposta. A biblioteca acaba funcionando como instrumento de conversão em troca de acesso aos livros, material escolar e demais benefícios que uma biblioteca livre ou comunitária possa oferecer. O mesmo acontece na intenção de aliciar votos.
Temos visto candidatos e demais agentes partidários que na falta de propostas políticas relevantes e principalmente na falta de ideias, se apropriam de forma abjeta e desesperada de bibliotecas livres e bibliotecas comunitárias para fazer delas seus palanques.
Condicionar à imposição de uma crença ou de propaganda eleitoral para dar acesso aos livros e à material escolar, ludibriar as pessoas pela ideia de que estão em uma ‘biblioteca livre’ é uma das táticas mais desonestas que já vimos desde que começamos a divulgar no blog Bibliotecas do Brasil iniciativas voltadas à partilha de livros e ao incentivo à leitura.
Jamais uma biblioteca deve servir como ferramenta de persuasão, intrusão e propaganda de uma organização religiosa, de um candidato ou partido, ou como instrumento de conversão em troca de acesso aos bens culturais, jamais deve ser fonte de exploração de pessoas.
Publicamos o 'Manual de sobrevivência às eleições para bibliotecas livres e independentes' no livro cartonero ‘Ideias para Bibliotecas Livres’ onde comentamos que bibliotecas e projetos de incentivo à leitura que surgem com propósitos eleitorais e religiosos carregam consigo um forte simbolismo de subjugação da cultura, de um bem que deveria ser acessível a todo mundo, submetido a um só tipo de pensamento, doutrina religiosa ou partidária e apropriado com interesses sinistros.
É degradante que livros, gibis, brinquedos e materiais escolares sejam empurrados como tática para forçar uma conversão nas pessoas que frequentam esses espaços. Eles são usados como sedução material para fisgá-las e convencê-las a voltarem mais vezes.
Usar o acesso aos livros de uma forma nociva e manipuladora com a intenção de mudar os pensamentos e ações da comunidade em prol de uma religião, organização religiosa ou partidos/candidatos políticos é um método antiético e invasivo, que nada tem a ver com o incentivo à leitura e à criação de espaços de leitura democráticos.
Infelizmente essas bibliotecas têm surgido com mais frequência e continuarão a se propagar.
É por isso que temos sido firmes em declarar o nosso manifesto de independência e estamos atentos à utilização das artes da iniciativa Leia, Empreste ou Devolva, que já foi usada por iniciativas envolvidas com partidos políticos e organizações religiosas, ferindo os princípios e as orientações de uso da iniciativa. Nós já sofremos várias vezes com aproximações oportunistas de candidatos.
A liberdade religiosa é um direito fundamental humano, as pessoas são livres para escolher suas crenças e sua religião e também seus candidatos e partidos políticos, o que não pode é serem forçadas a aceitar uma doutrina ou a votar em alguém porque uma biblioteca está impondo isso.
É importantíssimo que as pessoas que coordenam bibliotecas livres e comunitárias autogeridas e independentes mantenham seus espaços também livres de intrusão, proselitismo explorador e predatório seja de origem religiosa ou de origem partidária.
Evite tentativas de proselitismo religioso ou partidário em seu espaço de leitura seja de quem for. Declare a sua biblioteca livre, laica e independente sempre que puder.
Crie oportunidades para afirmar a sua independência.
Coloque em prática a sua autogestão sem a interferência de organizações religiosas ou partidárias.
Que mais pessoas se sintam encorajadas a declarar abertamente que seu trabalho em bibliotecas é independente de partidos políticos, de amizades e parentescos com candidatos e líderes religiosos. Facilita o convívio para quem pensa da mesma forma, fortalece vínculos e evita surpresas desagradáveis no futuro.
- Leia o manifesto de independência do blog Bibliotecas do Brasil
- Bibliotecas do Brasil é Creative Commons
Texto: Daniele Carneiro
Arte: Juliano Rocha sobre foto de Yair Haklai - Creative Commons
Fotos: Daniele Carneiro