Estivemos em Porto Alegre na última semana à convite de nossa amiga Leticia Tafra Fontoura do G-MÃO - Grupo de Mãos em Ação, que gentilmente abriu as portas de sua casa em Gravataí e nos recebeu como se fôssemos da família. Nessa viagem de uma semana, visitamos vários lugares culturais da cidade, além de participarmos do Lançamento do livro-arte do Jornal Boca de Rua e do Encontro de Saraus de Porto Alegre, no dia 25 de maio de 2014 na Casa de Cultura Mário Quintana. A foto acima é do Facebook da FestiPoa Literária (7ª Festa Literária de Porto Alegre), do momento em que a Rosina Duarte, fundadora do Jornal Boca de Rua leu para nós um conto escrito por uma criança de 9 anos que é moradora de rua. O Boca de Rua também tem um sarau que acontece mensalmente e traz ao público o espírito do jornal (Sarau Amigos da Alice). Mais informações podem ser encontradas no site http://www.alice.org.br/
O livro Boca de Rua que reúne histórias, poesias e crônicas garimpadas nas edições do jornal homônimo, é feito e vendido por sem-tetos de Porto Alegre há 13 anos, sob coordenação da Agência Livre para Informação, Cidadania e Educação (ALICE). O livro tem capas de papelão costurada à mão e elas são ilustradas por artistas visuais apoiadores do projeto. Parte deles participou da oficina “Luxo: Lixo do papelão ao Livro”, coordenada pelo Cabaré do Verbo e inspirada na metodologia do projeto paulista Dulcinéia Catadora.
Foto: FestiPoa Literária
Tivemos a oportunidade de conhecer e bater um papo muito bacana com a Rosina Duarte e com Reinaldo Luiz dos Santos, integrante do jornal que é ex-morador de rua, já viveu dois anos em Curitiba, e hoje está cursando o segundo semestre de Jornalismo. O Reinaldo e a Rosina foram super atenciosos conosco, nos explicaram como funciona o jornal e nos contaram detalhes da coletânea lançada no formato de livro-arte.
Rosina Duarte e Reinaldo Luiz dos Santos do jornal Boca de Rua e Dani Carneiro do blog Bibliotecas do Brasil. O Reinaldo nos vendeu vários exemplares do jornal e nos deu algumas cópias de um material bem completo sobre a publicação. Toda a renda arrecadada com a venda dos jornais é revertida para o Boca de Rua. Assista o filme do Boca de Rua nesse link: Vozes de uma gente invisível.
Julio Souto da Maria Papelão Editora apresentou durante o encontro a literatura cartonera para nós. O livro "Tempo Embalado para Apodrecer" é belíssimo com acabamento personalizado, o que torna cada livro uma obra única. Esse exemplar da foto quem nos mostrou foi o escritor Marcelino Freire que estava presente para participar do sarau e contar novidades do festival anual Balada Literária, do qual é criador e curador, que no ano de 2014 irá homenagear a escritora Carolina Maria de Jesus, autora do livro Quarto de Despejo, e o dramaturgo, ator e escritor Plinio Marcos.
Juliano Rocha do blog Bibliotecas do Brasil e Julio Souto da Maria Papelão Editora conversaram sobre livros cartoneros, e o Julio nos mostrou diversos livros que ele adquiriu durante a FestiPoa Literária.
A Leticia comprou o livro-arte cartonero do Boca de Rua com capa do artista plástico Brito Velho
Encontro de Saraus de Porto Alegre
O livro-arte Boca de Rua é a imagem e semelhança do jornal Boca de Rua. Ele foi produzido coletivamente com textos do pessoal adulto que integra o jornal, pelas crianças carinhosamente apelidadas de "Boquinha" e pelas mães, as "Mães Corujas". Rosina Duarte, a criadora do jornal disse que "os livros-arte foram feitos com papelão por moradores de rua, pessoas que a sociedade não valoriza como devem ser valorizados". Leia mais sobre o Boca de Rua e o Boquinha.
Diversos artistas doaram gratuitamente seus trabalhos para estampar as capas dos livros-arte. Para comprar o livro é só entrar em contato com a Alice (Agência Livre para Informação, Cidadania e Educação) nesse link ou pelo email alice@alice.org.br
O escritor Marcelino Freire, Evelize Cristina Silva, Sid Borges e o Pedro do Sopapo Poético estavam presentes no encontro de saraus, eles falaram sobre a importância do protagonismo da cultura negra, e sobre o resgate da literatura gaúcha e conversaram com a gente contando como realizam seus trabalhos. Evelize e Sid do Sopapo Poético lembraram o centenário de nascimento da escritora brasileira Carolina Maria de Jesus e falaram sobre a importância de se conhecer e divulgar o trabalho de escritoras e poetisas negras brasileiras. E nós falamos um pouco das pessoas que montam bibliotecas comunitárias e livres, e disseminam a leitura de forma independente. Foi muito legal.
O Sopapo Poético é um sarau de poesia e música promovido pela Associação Negra de Cultura (ANdC) desde março de 2012. O evento reúne a comunidade para ouvir, dizer e compartilhar palavras poéticas negras, sempre nas últimas terças-feiras do mês com entrada franca. O sarau é realizado na sede da Associação das Entidades Carnavalescas - AECPARS na Avenida Ipiranga, nº 311, no bairro Menino Deus em Porto Alegre. Em breve faremos um artigo inteiramente dedicado ao trabalho realizado pelo Sopapo Poético.
Pedro, Evelize Cristina Silva e Sid Borges do Sopapo Poético com a Dani Carneiro do blog Bibliotecas do Brasil no encontro de saraus de Porto Alegre, durante o encerramento da FestiPoa Literária, no mezanino da Casa de Cultura Mário Quintana.
O escritor Marcelino Freire com Dani e Juliano do Bibliotecas do Brasil e Leticia Tafra Fontoura do G-MÃO - Grupo de Mãos em Ação. No encontro de saraus de Porto Alegre os coletivos além de fazer declamação e leitura de poesias, também tiveram a oportunidade de encontrar pessoas que têm trabalhos semelhantes, trocar experiências e ideias e compartilhar literatura cartonera.
Agradecemos imensamente à Cristiane Cubas que nos recebeu na Casa de Cultura Mário Quintana de braços abertos e nos deu a oportunidade de contar aos convidados sobre o trabalho que fazemos com o blog Bibliotecas do Brasil, falar um pouquinho da Biblioteca Comunitária Sítio Vanessa e da Minibiblioteca do Sossego, e agradecemos também pela nossa amiga Leticia Fontoura do G-MÃO que falou sobre a Ronda da Fraternidade, iniciativa voltadas para os moradores de rua em Gravataí e Cachoeirinha, em que ela e seus colaboradores levam livros, comida quente, agasalhos, bombons, cobertores, café da manhã e frutas aos moradores de rua.
Texto e fotos: Daniele Carneiro e Juliano Rocha - Creative Commons
Arte: Juliano Rocha
Bibliotecas do Brasil - contato@bibliotecasdobrasil.com
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O Centro Eco Cultural do Projeto Eco Cidadão em Balneário Camboriú, Santa Catarina, é um espaço com aproximadamente 250m² de área construída todo voltado para ações solidárias e ecológicas onde foi montada a Ecoteca, uma biblioteca livre para as pessoas que participam das ações do projeto como a troca de resíduos sólidos por recompensas. O Centro Eco Cultural é um projeto social, ecológico e solidário, que abriu as portas na primeira semana de dezembro de 2013 e é coordenado por Luciana Andrea. O Centro foi idealizado pela AMSC - Associação de Mulheres Solidárias Criativas em parceria com o Fórum Municipal de Economia Solidária e tem como objetivo atuar na conscientização da comunidade em relação ao consumo consciente, a coleta seletiva e a educação ambiental. Além das ações educativas, o projeto visa fortalecer os empreendimentos solidários com a comercialização de produtos da economia solidária produzidos por famílias de catadores de material reciclável, artesãos e famílias em situação de vulnerabilidade.
As ações do Centro focam na redução, no reuso e na reciclagem de resíduos sólidos e propõem uma ação participativa de toda a comunidade. O Projeto Eco Cidadão está sendo realizado com recursos das próprias famílias envolvidas e atualmente não conta com apoio financeiro de nenhuma outra instituição, órgão público ou privado.
A Luciana nos explicou como funciona a Ecoteca: "A Biblioteca Solidária do Projeto Eco Cidadão repassou nos últimos três meses mais de 200 livros de literatura para pessoas da comunidade que participam do Projeto Eco Cidadão. Encaminhando seus resíduos sólidos para reciclagem, você tem acesso gratuito aos mais variados títulos. Adotamos o carimbo Leia, Empreste ou Devolva, modelo do blog Bibliotecas do Brasil, e agradecemos a amiga Daniele Carneiro, pelo incentivo e apoio". A Ecoteca é a 17ª biblioteca livre do Brasil a utilizar a arte da nossa iniciativa Leia, Empreste ou Devolva. Conheça as demais bibliotecas nesse post.
- Para conhecer a iniciativa Leia, Empreste ou Devolva e baixar o tutorial de montagem de bibliotecas livres, a arte de um carimbo e de um cartaz, visite a área de downloads
"Todos os livros que temos na Ecoteca são recebidos das famílias que separam e encaminham seus reciclados para o projeto. Não compramos livros. O projeto funciona assim: A pessoa separa seu lixo e tudo que é reciclável traz para o projeto. É feito um cadastro e a pessoa recebe o cartão Eco cidadão, um cartão de pontos, onde cada item de material reciclado equivale a pontos que são acumulados no cartão. A pessoa acompanha o extrato de seus pontos no site e troca os pontos acumulados por vale-compras em estabelecimentos parceiros do projeto. Além de resíduos sólidos, recebemos roupas, calçados, utilidades, sacolas de papel e livros. Tudo que a pessoa traz para o projeto, conta pontos no cartão, o que tem condições de uso vai pro bazar de reuso, aumentando a vida útil do produto e dando sustentabilidade ao projeto. Os resíduos que não são utilizados para confecção de artesanato são vendidos para recicladores e revertidos em renda para as famílias envolvidas no projeto. Os livros de literatura vão para a Ecoteca, onde quem separa e encaminha o reciclado pode levar para ler, emprestar ou devolver ao projeto."
Mesa de leitura com base de enciclopédias e livros antigos, na Ecoteca do Projeto Eco Cidadão.
No Centro Eco Cultural do Projeto Eco Cidadão tem o espaço Ecokids: uma área para educação ambiental de crianças com brinquedos de reuso disponíveis produzidos através dos produtos de reciclagem. Os brinquedos de reuso são para as crianças que visitam o Eco Cidadão brincar no tempo em que estiverem por lá, mas também estão disponíveis para a venda. Já os brinquedos de reciclagem são para serem utilizados nas oficinas e para venda. Eles custam entre R$1,00 e R$10,00.
Fábio Aurélio Castilho é autor do livro "Numa Boa" e do projeto de leitura e contação de histórias Ler e Viver, aprovado pela lei municipal de incentivo à cultura de Balneário Camboriú. O projeto consiste na publicação e distribuição de exemplares do livro em eventos de leitura e contação de histórias para a comunidade e alunos dos primeiros anos do ensino fundamental da cidade.
Fábio conta suas histórias em cenário feito de material reciclado e utiliza brinquedos e personagens também de material reciclado, do projeto Eco Cidadão. "O livro 'Numa Boa' tem uma maneira gostosa e divertida de brincar com rimas, números e imagens, e tem ilustrações de Julio Cezar Souza de Jesus. O lançamento do livro junto à contação de histórias, acontecerá oficialmente no dia 29 de maio de 2014, às 20h, no Teatro Municipal Bruno Nitz, em Balneário Camboriú, Santa Catarina".
Regras da Biblioteca Solidária Ecoteca
1. Leve o livro para onde quiser durante o tempo necessário;
2. Cuide dele. Depois de ler, devolva ou passe adiante;
3. Este livro não deve pertencer a ninguém;
4. Se ele estiver em prateleira particular, leve-o, leia-o, passe-o adiante ou devolva à Ecoteca;
5. Devolva um livro à Ecoteca e ganhe 05 pontos no seu cartão Eco Cidadão;
6. Entregue um livro seu, na Ecoteca e ganhe 10 pontos no seu cartão Eco Cidadão;
7. Somente livros em bom estado, serão pontuados como reuso;
8. Livros sem condições de uso, serão pontuados como reciclagem;
9. A Ecoteca é um benefício exclusivo de todo cidadão que separa seu lixo e possui o cartão eco cidadão ativo.
Foto do Natal do Centro Eco Cultural do Projeto Eco Cidadão em Balneário Camboriú
Endereço: Rua São Paulo, nº 209, Bairro Estados, Balneário Camboriú, Santa Catarina
Contato: (47) 3363-6372, (47) 9978-8889 com Luciana Andrea
E-mail: contato@ecocidadaobc.com.br, lu.inclusao@gmail.com, philippepierri@hotmail.com
Site: www.ecocidadaobc.com.br
Daniele Carneiro - Bibliotecas do Brasil
contato@bibliotecasdobrasil.com
Fotos: Luciana Andrea e Philippe Pierri
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Bibliotecas do Brasil
Bibliotecas do Brasil Inbox #07 - O Segredo de Joe Gould de Joseph Mitchell e Capote
Hoje é sexta-feira e além de anunciar o fim de semana, é o dia da nossa newsletter Bibliotecas do Brasil Inbox. Já estamos na 7ª edição e com conteúdo exclusivo para assinantes. Nessa semana falamos do filme Capote e do livro O Segredo de Joe Gould, além de um resumão da semana em que tentamos salvar mais uma biblioteca do mais completo abandono, mostramos minibibliotecas que funcionam e trazemos uma agenda cheia de atrações culturais e literárias.
Não perca essa edição, assine agora e receba instantaneamente todas as edições antigas como brinde, é só clicar e assinar: http://eepurl.com/R2rGf
Texto e arte: Juliano Rocha
Fotos: Andrew Lawrence's Movie blog
Graphic Arts Collection
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Ferida antiga e aberta no coração do Uberaba, o abandono da Casa Kozák abala o sentimento de continuidade e de autoestima da Vila São Paulo. Desde 2011 as experiências literárias e os livros não são mais compartilhados na biblioteca pública do bairro. Leia o artigo "Atualização sobre a situação da Casa Kozák, biblioteca abandonada em Curitiba".
Estamos vivendo uma época em que as pessoas estão cada vez mais interessadas em leitura, estão se movimentando e se reunindo pelos livros e pelas bibliotecas. Há dois anos mapeamos no blog Bibliotecas do Brasil, iniciativas dos mais diversos formatos e tipos de coordenação, desde ações totalmente voluntárias até bibliotecas públicas atuantes, são projetos em sua grande maioria voltados para pessoas que por diversos motivos estão distantes dos livros e que através destas ações descobrem a leitura ou voltam a se conectar com ela. Muitos desses projetos e bibliotecas inclusive já revisitamos em novos artigos, e eles continuam fortalecidos e atuantes.
Vista traseira da Biblioteca Casa Kozák arrombada e a Rural Willys usada por Vladimir Kozák em suas expedições às tribos indígenas em um estado lastimável de ferrugem sem nenhuma preservação.
Fizemos contato com pessoas do Brasil inteiro nesse período, temos registrado essas experiências literárias em diferentes regiões do território nacional, e algumas de outras partes do mundo (Portugal, África do Sul, Estados Unidos) como modelos que nos servem de inspiração e que são passíveis de adaptação para a realidade de muitas comunidades, como é o caso das encantadoras minibibliotecas, só para citar um exemplo. Os envolvidos são mediadores de leitura, contadores de histórias, professores, voluntários, profissionais autônomos, pessoas das mais diversas áreas profissionais, associações de moradores, grupos solidários, empresas privadas, comerciantes e desempregados que têm tirado dinheiro do próprio bolso para colaborar ativamente com bibliotecas comunitárias, projetos de incentivo à leitura e ações de distribuição e circulação de livros, para que o maior número de leitores tenha acesso facilitado e o alcance dos livros seja ampliado.
Essas ações criativas nos mostram que é possível no Brasil contribuirmos para a formação de mais leitores, e que projetos desde os mais simples, voluntários e espontâneos, até os mais elaborados, comprovam na prática que a leitura ocupa um papel fundamental na transformação de indivíduos, grupos de pessoas e de comunidades inteiras.
Em meio ao espírito desse tempo que estamos vivendo, a Biblioteca da Casa Kozák situa-se como uma contradição enquanto agoniza. No dia 1º de Setembro de 2014 ela completará seu terceiro ano desativada. É difícil para aqueles que passaram a infância desfrutando da biblioteca ou conviveram com ela em seus períodos de intensa atividade encarar a realidade de que depois de tantos anos, os livros foram retirados do acervo, a porta foi trancada e a Casa Kozák foi deixada para trás, desprotegida, largada à sua própria sorte.
Rural Willys de Vladimir Kozák parece irrecuperável
Quem foi Vladimir Kozák
Passaporte de Vladimir Kozák exposto no Museu Paranaense na mostra "Vladimir Kozák, o olhar de um viajante"
Vladimir Kozák nasceu em 19 de abril de 1897 na cidadezinha Bystřice pod Hostýnem, na República Checa. Filho de um serralheiro e uma bordadeira, aprendeu inglês e português ainda em sua terra natal através de cursos gratuitos, formando-se na Universidade de Tecnologia de Brno, cidade amplamente universitária da República Checa.
Chegou ao Brasil em 1924 e trabalhou como engenheiro elétrico e logo após para a Universidade Federal do Paraná. Kozák dedicou sua vida a pesquisar as tribos indígenas brasileiras, realizando inúmeras expedições para o meio da floresta. Tornou-se um dos primeiros cineastas do mundo que filmou os índios locais. Seus primeiros documentários foram feitos ainda na década de 1930.
Por meio de escambo com os indígenas conseguiu coletar em torno de 40 mil objetos, inclusive de tribos hoje em dia extintas, acumulando um rico testemunho da história e dos costumes dos primeiros habitantes das Américas. Como parte de suas pesquisas realizou também desenhos e pinturas dos índios, de seus artefatos e do local onde viviam. Suas pesquisas, desenhos e filmes são reconhecidos por estudiosos do Brasil, Canadá e França, porém em seu país natal a República Checa ele ainda é pouco conhecido. A casa de Kozák construída em estilo tcheco pelo próprio pesquisador, tornou-se um centro cultural e biblioteca em 1988. Vladimir Kozák morreu em 1979 sem deixar herdeiros e foi sepultado ao lado de sua irmã, a artista plástica Karla, em Curitiba.
Objetos deixados para trás
Objetos e móveis foram deixados para trás no interior da Casa Kozák, são peças que remetem à diferentes épocas do imóvel. Ainda estão em seu interior os materiais utilizados no dia a dia da biblioteca (potes de tinta, pincéis, quadros negros), móveis (um deles chamou mais a atenção, o balcão com uma vitrine com ilustrações deixadas em seu interior) assim como objetos ligados à memória de Vladimir Kozák que poderiam ter sido reutilizados em outros espaços culturais da cidade, como a placa em homenagem à visita dos índios Xetá à Casa e o seu carro, uma Rural Willys completamente enferrujada e sem proteção no quintal dos fundos. “É um desrespeito incrível à memória dos índios Xetá que foram visitar a casa de Vladimir Kozák. A placa foi abandonada como se eles não significassem nada”, comentou Roberto Carneiro, aposentado que fotografou o interior da Casa Kozák e cedeu as fotos para o blog Bibliotecas do Brasil.
Os objetos e peças estão presentes e não precisaram sobreviver intactos para fornecer uma quantidade enorme de informações a quem se depara com a cena. Ao juntarmos as informações destes fragmentos eles nos contam a história da Casa Kozák, nos dizem muito sobre a vida da biblioteca através das fotos arrancadas de um álbum largadas no chão, dos móveis, objetos, peças e materiais utilizados nas oficinas e rodas de leitura. Esses sinais deixados para trás nos contam muito mais sobre a vida passada da biblioteca e seus frequentadores do que o horrível estado atual de conservação com as primeiras ações de vandalismo.
O busto de um frei capuchinho e as tintas ainda molhadas das recentes ações de vandalismo na Casa Kozák. Abaixo o balcão com vitrine tem ilustrações deixadas para trás em seu interior.
O estado da casa, por Roberto Carneiro, que fotografou o interior do imóvel:
“A fiação elétrica foi toda arrancada e está desativada. O assoalho está perfeito e no telhado não vi sinais de infiltração em nenhuma das peças. Não vi danos causados por infiltrações seja de chuva ou canalização defeituosa. O carro do Kozák uma Rural Willys virou sucata, parece não ter recuperação. A Casa Kozák está no meio do mato, os vestígios da invasão são recentes, já virou um mocó e o pior pode acontecer em poucos dias. Vi algumas roupas e cobertas usadas recentemente. Vestígios de fogo alertam para o perigo de incêndio. Já tem chinelo, uma mala, uma garrafa de bebida. O fogão de chapa está sendo utilizado pelas pessoas que invadiram a casa. Todas as janelas estavam abertas. A vedação de acesso ao interior da casa se faz urgente”.
Vista da porta de entrada arrombada da Biblioteca da Casa Kozák
Vestígios de invasão
Uma biblioteca é uma conquista da comunidade e ela precisa ser preservada por todos. É preciso preservar não só os livros mas também os objetos, os móveis e a casa.
No segundo andar a casa está infestada de pombas e o chão está tomado de fezes das aves.
No segundo andar a peça única onde aconteciam as rodas de leituras e contações de história, além de servir como local de leitura e espaço para que estudantes fizessem pesquisas. Nós tivemos a oportunidade uma única vez em 2011 de usar esse espaço para ler, e é com imensa tristeza e revolta que mostramos ela nesse estado. E é bom lembrar que a Casa da Leitura Franco Giglio também está em processo de depredação no Campina do Siqueira, bairro de Curitiba.
Vidros quebrados na porta
Roberto Carneiro nos contou após mostrar as fotos: “Não sou místico, mas você quer saber como me senti lá dentro? Muito bem, a Casa Kozák tem uma vibração boa, é toda bem clara, grande, tem claraboias, é bem iluminada, é um local muito bonito, mas é uma tristeza muito grande o descaso que ela está enfrentando. Ela pode deixar de existir a qualquer momento, pode ser hoje ou amanhã, a história dela está sendo enterrada”.
Ações
Abrimos um protocolo na Central 156 (antes de ficarmos sabendo que a Casa Kozák já tinha sido invadida e transformada em um mocó) que teve a seguinte resposta da Fundação Cultural de Curitiba, órgão responsável pela casa: "A FCC informa que está em trâmite o convênio de administração do imóvel com a Secretaria de Cultura do Estado. Paralelo a questão, o gabinete da FCC está em contato com a Guarda Municipal para verificação de possível invasão, solicitação de intensificação de rondas no local e junto ao distrito regional roçada da área".ATUALIZAÇÃO EM 19/05/2014 - 17h50
Durante a semana após a publicação desse post o terreno da Casa Kozák passou por uma roçada. Todo o mato da frente, das laterais e dos fundos foi retirado, mas o principal não foi solucionado: a Biblioteca da Casa Kozák continua com todas as portas e janelas abertas servindo de mocó para consumo de drogas e esconderijo. A situação continua a mesma, só que sem mato.
O terreno passou por uma roçada, mas as portas e janelas ficaram desse jeito
A placa da Casa de Cultura Vladimir Kozák é de abril de 1989.
Objetos como o quadro da poetisa curitibana Helena Kolody marcam presença entre as memórias perdidas e deixadas para trás na Biblioteca da Casa Kozák.
O mato foi cortado mas a Biblioteca da Casa Kozák continua com as portas e janelas escancaradas. A Rural Willys usada nas expedições do pesquisador e etnólogo Vladimir Kozák continua sem nenhuma proteção.
É importante que todos nós curitibanos nos conscientizemos de que a Biblioteca da Casa Kozák faz parte do patrimônio cultural de Curitiba, com a grande incumbência de ser uma biblioteca localizada em um bairro periférico, distante do Centro e dos demais equipamentos culturais da cidade, bairro onde não há nenhuma biblioteca aberta ao público com as mesmas atividades que eram oferecidas na Casa Kozák. É muito grave que esse patrimônio cultural seja abandonado, relegado à depredação e ao esquecimento, e que gestão após gestão sua situação cada vez fique mais degradada.
O mato se foi mas as janelas ficaram abertas evidenciando a utilização da casa como um local para consumo de drogas no bairro Uberaba.
A biblioteca poderia estar funcionando aberta à comunidade, mas depois de quase três anos de abandono só uma infestação de pombas pode se beneficiar desse espaço cultural.
Texto de Daniele Carneiro e Juliano Rocha
Bibliotecas do Brasil: contato@bibliotecasdobrasil.com
Pesquisa: Juliano Rocha
Fotos do passaporte e de Vladimir Kozák com os índios: Daniele Carneiro
Arte: Juliano Rocha
As fotos do interior da casa foram concedidas ao blog Bibliotecas do Brasil por Roberto Carneiro
* Uso sob licença Creative Commons.
Leia todos os artigos que publicamos sobre a Biblioteca da Casa Kozák