A grande tristeza do leitor é não poder ler

11.1.14


A maior tristeza do leitor não é quando o livro acaba, todo livro lido por completo deve ser comemorado e apreciado. A grande tristeza do leitor é não poder ler. Tenho livros maravilhosos em casa mas não consigo ler e quem me acompanha no Facebook conhece de perto as agruras que passamos (eu e o Juliano) por causa da poluição sonora no bairro onde moramos. Já publiquei diversos textos meus e de outros autores no blog Livros e Afins sobre qualidade de vida e como a poluição sonora a afeta e prejudica diretamente a rotina das pessoas. Esses são os artigos publicados:

Esses são os meus dois companheiros inseparáveis para amenizar pelo menos um pouco a barulheira

Mas como fazemos para escapar da poluição sonora? Escrevo e telefono para todos os números e pessoas possíveis e impossíveis e não consigo solução para nada, tentei algumas das sugestões que eu mesma escrevi nesse post, mas foram inúteis. Cheguei a ouvir em um dos telefonemas que fiz para o serviço de protocolos da prefeitura que a poluição sonora não é considerada uma prioridade na cidade de Curitiba.

Fotografar para não enlouquecer

Eu passei a alimentar o hábito de fotografar em momentos extremos de poluição sonora no bairro para não enlouquecer. Ficamos muito expostos a níveis de ruídos desumanos, e as palavras que os amigos nos enviam em mensagens privadas no Facebook nos ajudam muito e nos confortam. Mas a maioria das coisas sugeridas eu já fiz e já tentei, não temos mais alternativas sobrando. Já colocamos cortinas mais grossas, forramos o teto com todo tipo de vedação, entramos em contato com todos os órgãos e pessoas possíveis, enfim, nada resolve esse problema, e pelo jeito está longe de ser resolvido.

Poluição sonora é sinônimo de nervosismo e pressão que inviabilizam a qualidade de vida

Eu uso fones de ouvido e também protetores auriculares o dia inteiro. Nós dormimos ouvindo música por causa da barulheira. E na maioria das vezes isso não resolve. O que é um protetor auricular e um fone de ouvido contra a potência de um carro ou caminhonete tunada? Nada! Aliás esse hábito do tráfego de veículos com som automotivo modificado para fazer muito barulho e alcançar volumes desnorteantes está cada vez mais disseminado nas ruas de vários bairros - inclusive no Centro da cidade.
E dormir com protetor auricular mais os fones de ouvido não é nada confortável, não proporciona um verdadeiro descanso. É apenas um paliativo, um improviso, uma tentativa de não enlouquecer completamente. Minha mente está esgotada.


A biblioteca da faculdade onde estudamos fica de frente para a Getúlio Vargas, uma das avenidas mais movimentadas de Curitiba, onde também circulam muitos carros com som automotivo tunado, e mesmo assim o silêncio é bem maior do que no bairro onde moramos.

Desde janeiro de 2011 só consigo ler e dormir com protetores auriculares. Eu nem consigo mais alcançar o nível de concentração necessário para a leitura se não estiver com o protetor auricular, mesmo em um ambiente silencioso como uma biblioteca. Na única e pouco atuante biblioteca pública existente no bairro, o barulho dos ônibus dentro do recinto não são nem um pouco convidativos, não é um ambiente agradável, o que mais se escuta são motores, freadas, e carros circulando com som automotivo. Não tem como se dedicar à leitura naquele ambiente barulhento se não tiver um fone de ouvido ou um protetor auricular.


E quando os protetores somem? Tenho 5 protetores auriculares mas às vezes eles se perdem entre os travesseiros ou pela casa. Gente, eu surto! A angústia que bate é de estraçalhar o meu peito, parece que me falta ar. É muita tensão além daquela que já somos expostos diariamente por causa da poluição sonora em Curitiba. O protetor auricular não veda ruídos extremos como escapamentos abertos de motocicletas, e muito menos o poder de paredões de som, ou de alto-falantes tunados, além dos caminhões e ônibus com motores desregulados. Apenas diminui um pouco. Desde que a poluição sonora gerada por carros tunados, veículos de propaganda e caminhões de trio elétrico anunciando serviços e ofertas circulam impunemente e de maneira tolerada pelas ruas de Curitiba, os prejuízos à nossa saúde têm sido esses:

Dores de cabeça: aumentamos o consumo de cartelas de comprimidos para dor de cabeça. Detestamos recorrer à esse tipo de ajuda, mas depois de ficar de 10 a 17 horas escutando o "pancadão" alheio, as dores de cabeça são crescentes e acontecem com maior frequência.

Leituras que vão se acumulando ao longo do ano

Irritação: é véspera de Natal, vem aí o feriado e você vai passar o dia conforme escolheu, conforme suas crenças e tradições. Prepara tudo para um dia de PAZ, um dia bonito e tranquilo com quem você ama. Aí vem o aborrecimento e a interrupção repentina de um dia que era para ser sossegado. Alguém que mora muito próximo da sua casa resolve fazer uma rave com carros tunados, ou dar continuidade à uma obra de reforma em casa, usando uma serra de cortar azulejo, uma vap para lavar a calçada e o cortador de grama mais barulhento de que se tem notícia desde às 7h da manhã. Tudo ao mesmo tempo, e como quase toda rave e toda obra, duram horas e horas. Piora se você adicionar os fogos de artifício que as pessoas utilizam nessas datas. É a total falta de senso de coletividade, afinal quando uma obra está sendo realizada próximo à sua casa, quando um carro circula com um volume absurdo, todos que estão em volta são afetados. Sábados, domingos e feriados não significam mais nada, as obras seguem até depois da meia noite. Quem aguenta isso?

Aviso só de enfeite na parede dos postos de gasolina da cidade, onde o movimento de carros com som automotivo é tolerado

Indignação: Enfrentar a realidade de que essa poluição sonora gerada por atitudes e eventos que poderiam ser evitados e principalmente fiscalizados não vai acontecer apenas no Natal e no Ano Novo. Acontece dia após dia, semana após semana, começa antes das 7h da manhã e não tem hora para acabar, não diferencia uma segunda-feira de manhã ou domingo à noite, todo dia é dia de som alto generalizado circulando pelas ruas. Enquanto escrevo esse post às 03h da madrugada, tem carros passando pela rua com som tunado, fazendo tremer o teto, as janelas, os móveis e a nossa qualidade de vida.

Zumbido no ouvido:  já tivemos umas crises sérias de zumbido. Quando fui para Guaratuba no inverno do ano passado tive uma crise de zumbido de três dias, nunca tinha passado por isso. O corpo demora a se reabilitar a entender que aquilo é o silêncio, são passarinhos, grilos, cigarras, o som do mar, o corpo e a mente entram em choque com o silêncio repentino, e ao invés de paz, tive um revertério. Parecia que estava em um barco em alto mar, vertigens e ânsia de vômito, foi horrível. Já teve crise de zumbido? Em quase todos os textos que li sobre zumbido há casos em que as pessoas ensurdecem e se suicidam, porque é impossível para elas lidar com as crises de zumbido. Depois dessa primeira crise, o zumbido já voltou algumas vezes. É horrível!



Gastos: Por causa das concentrações de carros tunados, carros de propaganda circulando, e obras que atravessam os horários do respeito mútuo entre vizinhos, aumenta o número de horas involuntárias que precisamos ficar fora de casa. As refeições passam a ser feitas fora de casa e gasta-se pequenas fortunas com isso, gasta-se em estacionamento, em gasolina, em equipamentos para tentar abafar o barulho, em remédios para a dor de cabeça, enfim, um dinheiro que poderíamos investir em cursos de extensão, numa pós-graduação ou em uma viagem, em qualquer coisa, menos nisso. É o preço que se paga pela omissão dos órgãos públicos que deveriam fiscalizar, coibir, multar, enfim, fazer o trabalho deles.

Prejuízos: Um dos prejuízos é que não é possível estudar nem ler. Temos uma pequena biblioteca em casa com livros que já poderíamos ter lido há tempos, mas com tanto barulho, quem consegue? Como a mente que já está exausta pelas poucas horas de sono vai conseguir se concentrar na leitura com o barulho intenso? Não tem jeito. Os dias são perdidos. A gente se planeja para dar um trato na casa, ou simplesmente fazer as coisas que todo mundo faz dentro de sua casa, e não pode. Sair de casa porque os vizinhos estão dando uma festinha com carros tunados durante 17 horas, ou alguém está fazendo uma obra em pleno domingo de manhã é um dos maiores absurdos que já vi. Você não pode ficar em casa, tem sua rotina toda alterada, precisa sair da  sua intimidade, do seu lar, de onde estão as coisas que você gosta, seus livros, os seus afazeres, as suas distrações, o seu espaço, porque a poluição sonora não é combatida, porque não existe uma mentalidade difundida que gere conscientização nas pessoas. Adia-se a vida por falta de atuação dos órgãos reguladores e das pessoas pouco conscientes. A poluição sonora além de perturbar os seres humanos, incomoda também os animais, afasta os pássaros e outros animais polinizadores que são cruciais para manter a vida na Terra sustentável. Nossos animais domésticos, gatos e cachorros sofrem com o barulho dos fogos de artifício e canos abertos de motos além dos carros com som alto. Quem tem bichinhos de estimação sabe o quanto é sofrido para eles, que têm a audição sensível, aturar essa exposição gratuita e não solucionada à poluição sonora.

SONO: Falta de sono significa uma vida em geral menos saudável, estressante e desanimadora. Mas outras fontes de ruído como obras, construções, vizinhos barulhentos, postos de gasolina e mercados que não coíbem a presença de carros com som alto e aglomerações, fogos de artifício, geradores e motores desregulados também são contribuintes para a perda da qualidade de vida. O sono é algo precioso e essencial para a vida, mas em algumas vizinhanças, 4 horas da madrugada é o novo 22h.


Choque de realidade: A cada dia inauguram novas lojas que fazem instalação de som e alto falantes em carros, mas não tem nenhuma biblioteca atuante e as áreas de lazer que deveriam nos servir como descanso, opção cultural e de atividades físicas, espaços que deveriam estar associados à uma vida saudável, estão depredados, abandonados e viraram mocó para atividades ilícitas.



Ouvir as pessoas dizendo "se muda": Além do desrespeito total que passamos por aqui, ouvimos dessas de vez em quando, "se muda para o bairro X, Y, Z, pois lá não tem dessas coisas". Como assim? A cidade tem que ser viável para todo mundo, não interessa em qual bairro. A cidade e seu funcionamento adequado devem servir à todos, de forma abrangente e eficaz. Por quê só tem fiscalização no Parque Barigui de vez em quando? A resposta me parece óbvia. Quem tem que mudar a mentalidade são os órgãos responsáveis, aumentar a capacidade técnica, colocar mais equipes de fiscalização, utilizar os meios de comunicação para conscientizar as pessoas, utilizar as leis que já existem e não são aplicadas. Como disse uma amiga "até em cidades do interior de São Paulo fazem fiscalização e apreensão de equipamentos sonoros em desacordo com as leis, por quê na capital ecológica não fazem?", é o que eu pergunto diariamente pra todo mundo.

Tensão psicológica: a mente humana é um emaranhado de coisas muito complexas e quando sofre pressão, pensamentos sombrios e até violentos passam pela cabeça. Eu percebi que precisava de uma atividade positiva para afastar esses sentimentos e pensamentos ruins quando estacionam caminhonetes e carros com seus paredões de som ridículos e ilegais na frente da minha casa. Precisava fazer algo efetivo para evitar esse tipo de pensamento que eu vinha alimentando, e a sensação de impotência diante da falta de ação dos órgãos responsáveis, nas situações em que somos expostos à níveis de poluição sonora atrozes que poderiam ser combatidos com atitudes muito simples, como blitz de orientação, fiscalização e aplicação de multas, já que as leis de ruídos sonoros existem pra isso.

O silêncio e o caminho para a quietude: O silêncio é restaurador e a maioria das pessoas não têm mais a chance de experimentar essa quietude, porque não há uma preocupação em Curitiba em se fazer um combate efetivo, simples e de baixo orçamento contra a poluição sonora. Combatê-la é fácil. Mas tem que ter preocupação com o tema, vontade, iniciativa, bom senso e principalmente, harmonia comunitária. Conscientização é o caminho. Mas se o assunto nem começa a ser tratado, a poluição sonora só tende a aumentar. Por isso é importante que as pessoas escrevam e se manifestem em suas redes sociais e falem à respeito das situações em que sofrem com a poluição sonora. A Lei 10625/02 de 19 de dezembro de 2002 precisa se materializar na prática, no dia a dia dos curitibanos.

Calma no Caos

Para enfrentar o problema da poluição sonora, comecei a utilizar a fotografia como uma fuga, uma distração, uma atividade capaz de fazer a minha mente se transportar para outros locais enquanto o barulho ilegal é gerado. Não temos esse luxo de sair de casa toda vez que alguém resolve exibir o "pancadão" para os amigos. Recomendo a prática da fotografia em momentos de crise, serve muito bem para fazer a raiva passar. É isso que eu sinto quando somos expostos a essa situação: raiva, ódio, indignação, revolta. E a fotografia me leva para um estado mental mais leve, mais agradável e menos perturbado por causa da poluição sonora.



Nessas situações  de barulho generalizado, é melhor deixar passar. Se não puder sair de casa vale tentar com algum esforço vedar os ruídos e se dedicar à outra coisa, mesmo que seja impossível bloquear o barulho, como é o meu caso. Mesmo que a raiva queira te levar para uma atitude drástica, não faça nada. Saia de bicicleta se tiver uma, de roller, de skate, saia à pé se necessário, aumente o volume da música que você tolera em seu fone de ouvido, mas não tente resolver nada com o causador do barulho. É preciso ter juízo e paciência. Jamais confrontar as pessoas que geram a poluição sonora. Pra quê mais violência além da agressão que já estamos sofrendo? Pra que gerar um bate boca e arriscar acabar da pior maneira possível? Em rápidas buscas no Google vemos frequentemente crimes cometidos por causa de desentendimentos relacionados ao som alto. O descaso, o desinteresse, a omissão e o empurra-empurra burocrático agridem tanto quanto a poluição sonora. Ter a véspera de Natal um momento que deveria ser de descanso e paz todo detonado por atitudes desnecessárias (que poderiam facilmente ser evitadas) de ostentação durante 17 horas, através da potência de um alto falante não vale a pena a sua argumentação. Mas cobre dos órgãos, da prefeitura, dos sujeitos que você elegeu.


No meu caso, tenho conseguido de maneira precária passar pelas horas de poluição sonora com a fotografia. Eu vou para o quintal e fotografo, tento afastar a minha mente daquele barulhão. Enquanto isso o Juliano tenta ler. Três fones de ouvido diferentes já passaram por ele esse ano. Deveríamos ter feito posts somente sobre essa busca pelo melhor fone de ouvido, indicando as marcas que deram certo com a gente e as que não deram. Muitos são caros e duram pouquíssimo. Nunca é a mesma coisa, fotografar ouvindo os sons naturais de um quintal, comparado à uma uma sessão de pancadão da vizinhança, mas proporciona um pouco de alívio. Parece que uma descarga de adrenalina ruim sai do meu corpo. A raiva diminui. Não morre mas diminui bastante. A mente parece que dá uma pequena descansada. Pelo menos ficar tirando fotos no quintal me dá um respiro dessa insanidade toda que o bairro se transformou. Confira aqui as minhas fotos.

Texto: Daniele Carneiro
Fotos: Daniele Carneiro e Juliano Rocha
Foto "queremos dormir" do blog Anchas es mi casa
Bibliotecas do Brasil - contato@bibliotecasdobrasil.com

VocÊ pode gostar também

0 comments

Subscribe