Leia Mulheres nas escolas periféricas e rurais

17.5.18

A bibliotecária Aliriane a professora Ana Lúcia lançaram o Leia Mulheres na Escola, clube de leitura que lê mulheres nas escolas rurais e escolas da periferia de Alegrete
O projeto de incentivo à leitura Leia Mulheres Alegrete, no Rio Grande do Sul, é organizado pela bibliotecária Aliriane Almeida e pela professora Ana Lúcia Vargas. E no mês de março, em que todos os anos é inteiramente dedicado à Luta Internacional pelos Direitos das Mulheres, as amigas e profissionais da leitura e da educação, decidiram fazer uma grande inovação para integrar pessoas que estão às marges das livrarias, das grandes bibliotecas, dos circuitos e dos eventos literários já estabelecidos: elas levaram o Leia Mulheres para escolas rurais e periféricas da cidade. 

Ana Lúcia conversando com adolescentes participantes do projeto
 Leia Mulheres na Escola

A bibliotecária Aliriane e a professora Ana Lúcia conversaram com o blog Bibliotecas do Brasil sobre os projetos de incentivo à leitura e circulação de livros que estão coordenando pela cidade. O livro escolhido para o primeiro "Leia Mulheres na Escola" realizado em uma escola da zona rural de Alegrete foi A Bolsa Amarela de Lygia Bojunga. As turmas de sétimo, oitavo e nono anos da Emeb (Escola Municipal de Educação Básica) Francisco Mafaldo, no Polo Educacional do Caverá, tiveram a oportunidade de ler o livro na biblioteca escolar e em sala, nas aulas de Língua Portuguesa.
No dia Dia 23 de março, Ana Lúcia Vargas e Aliriane Almeida, visitaram a escola para conversar sobre o livro com as turmas. As pessoas que já costumam frequentar os encontros do #LeiaMulheres na Biblioteca Mário Quintana, também foram convidadas para participar da extensão do projeto na Biblioteca Girassol, localizada no Polo Educacional do Caverá. Aliriane contou como foi:

O primeiro livro lido foi A Bolsa Amarela de Lygia Bojunga e o próximo será Olhos D'água da Conceição Evaristo

"Em Alegrete a gente faz os encontros na Biblioteca Pública Municipal Mário Quintana onde eu trabalho, mas o projeto Leia Mulheres não é da biblioteca, ele faz parte de um projeto nacional. Tem vários critérios para ser 'oficial' a iniciativa. Enviamos emails para o site, respondemos algumas perguntas e nos comprometemos com algumas questões. Junto comigo como mediadora trabalho com a Ana Lúcia, que é professora da zona rural em escola pública. Ela é militante, feminista e faz algumas falas sobre feminismo nas escolas. A gente tem se juntado com um coletivo cultural e tem feito parceria em saraus e em um bar da cidade. Em março levamos o projeto para a escola onde a Ana Lúcia trabalha que é na zona rural, para as turmas do 6º e 7º anos. Levar o Leia Mulheres para as escolas é uma tentativa de fazer o projeto ser conhecido. A gente fala todo o histórico, compartilha o que fazemos, o porque do Leia Mulheres. Eu espero que o próximo encontro que será realizado em maio seja bem legal. Os encontros não são para "ensinar" literatura, e também não vamos para fazer palestra. O livro precisa ser de fato lido entre estudantes e professoras para fazer sentido a gente abrir essa frente nas escolas. Não quero que fique de bonito na foto, mas na prática. Tomara que dia 25 seja muito especial".

Sobre a organização do Leia Mulheres na Escola, Aliriane contou:
"Como o livro é de contos, para otimizar e não ser tipo as antigas fichas de leitura em que os alunos eram obrigados a ler o livro e fazer resumo, sugerimos para a professora reunir alunos e alunas em duplas ou trios, e que cada um lesse um conto para podermos dialogar de acordo com o que cada um leu. Levamos umas 3 perguntas para incitar o debate, mas a ideia é que a conversa flua por si só. A gente fala o que curtiu, o que não curtiu e lê alguns trechos".

A professora Ana Lúcia também conversou com o blog Bibliotecas do Brasil sobre a iniciativa:
"A ideia partiu de uma conversa casual com a Aliriane. Uma de nós disse: 'E se levássemos o #LeiaMulheres para uma escola?' A primeira escola foi rural, juntamos o fato de eu trabalhar na biblioteca e realizar atividades de leitura e escrita com os adolescentes e ser uma das mediadoras do #LeiaMulheres pra tentar num espaço 'seguro' pra nós. Com essa escola já faço leituras com os adolescentes, leitura faz parte do horário de aula e tudo.  Li o livro 'A Bolsa Amarela' na biblioteca com os alunos. Com a Escola Estadual Waldemar Borges foi o seguinte, postamos as fotos no Facebook, e a diretora dessa escola de ensino médio da periferia se interessou. Ela é minha amiga e eles fazem muitas atividades interessantes. Enviamos o pdf do livro Olhos D'Água pra ela, e eles organizaram os contos com alunos e professores. Eles resolveram dividir os contos. Iremos no dia 25/05/2018 lá e discutiremos o livro da Conceição Evaristo, tal qual fazemos no #LeiaMulheres na Biblioteca Mário Quintana".


Ana Lúcia contou como foi o encontro:
"A primeira experiência foi muito boa, especialmente pra mim, que fiz a leitura prévia com os adolescentes. Já recebemos o convite pra ir em outra escola, também de ensino médio da periferia. Vamos acertar os detalhes. Essa é uma forma de ampliar o espaço de leitura e divulgar o #LeiaMulheres. Esse é o segundo livro que leremos com as escolas. Estamos começando".

Diferenças entre o Leia Mulheres e o Leia Mulheres na Escola


Aliriane explicou as diferenças entre os dois projetos que estão realizando, para incentivar a leitura de mulheres.
"No Leia Mulheres da Biblioteca, a gente escolhe os livros entre as participantes. No Leia Mulheres na Escola é diferente pois é indicação nossa, com a ideia de tornar conhecidas as escritoras entre as professoras, então elas nos confiam essa indicação para o encontro, até para surgir algo diferente do clichê do currículo escolar. A Bolsa Amarela é um livro juvenil maravilhoso, a protagonista é uma menina, cheia de questionamentos e críticas do mundo, tem muita pegada feminista. O Olhos D' água eu indiquei por conhecer a escrita da Conceição Evaristo, dar espaço para uma escritora negra. Alegrete tem uma população grande de pessoas negras, pardas e indígenas, e a escola pública concentra esse público. A gente vive esse momento reacionário, de intolerância religiosa, escola sem partido, etc, e o valor literário da Conceição é muito maior que isso, e por o dedo nessas feridas é preciso. Optamos por esse Leia Mulheres vai à escola porque a galera jovem é mais aberta e precisa se desconstruir da literatura "imposta", e muitas vezes, descontextualizada da vida da forma como é ensinada nas aulas. Tem tido uma entrada bem bacana a gente consegue falar sobre".

Sobre preconceito literário e resistência através da literatura

Aliriane conta mais sobre seu trabalho como bibliotecária:

"Eu trabalho também em Porto Alegre numa entidade sem fins lucrativo, a Cirandar, onde fazemos muito essa discussão da democratização da leitura, de que as pessoas devem ler e ler de tudo. Sabemos que é ingênuo dizer que 'tudo é bom e é literatura', pois existe muita coisa incitando ódio inclusive. Mas a questão é que ao trabalhar na formação de leitores, não fazendo críticas vazias sobre 'essa é uma boa literatura e o resto é lixo', porque quando tu faz isso, está sendo preconceituosa, é bem delicado. Tivemos um evento recentemente e foi justamente isso, discutir literatura e resistência nos espaços".

A presença de pessoas negras no Leia Mulheres

"Por aqui tenho a linha de frente que vai no sentido de posicionamento político na luta com a leitura e literatura, assumir que o Leia Mulheres é feminista, e se ele é feminista, vai ser o feminismo neoliberal? Vai ser o feminismo branco classe média? Tem que ter a presença das escritoras negras. Em Alegrete, o reflexo da sociedade é inclusive isso, a falta de presença de pessoas negras nos espaços culturais. Embora uma grande parcela da população seja negra e indígena, é uma cidade com uma elite branca, tu não vê as pessoas negras em espaços culturais, nunca. Aqui, a biblioteca mesmo pública, é localizada no centro, como em todo lugar, mas poder ir nas escolas públicas dos bairros com o Leia Mulheres é outra pegada. Mesmo a escola pública da zona central, os alunos e alunas são das vilas, dos bairros. Nós seguimos essa frente, essa bandeira de democratizar acesso. Nos nossos encontros do Leia Mulheres na biblioteca, participava uma menina negra, que começou a frequentar o espaço. Ela era a única da turma da escola dela que passou numa universidade e precisou mudar de cidade. Então, infelizmente no momento, não temos pessoas negras nos encontros do Leia Mulheres em Alegrete. Mas gostaria muito que participassem e deixo aqui meu convite, pois somos um grupo de resistência na cidade".

Leia Mulheres na Quinta Poética


Aliriane e Ana Lúcia, levando mulheres para serem lidas em todos os lugares
Ainda dentro da programação do mês de março, as organizadoras do Leia Mulheres Alegrete, participaram na realização da Quinta Poética, no 23 Pub Bar, em um evento em homenagem à cantora Elis Regina, em parceria com o Coletivo Multicultural de Alegrete, Sistema Fecomércio SESC e Projeto Alegrete: Cidade dos Livros Livres. Trechos de contos e de poesias de várias autoras mulheres foram lidos durante o evento literário.


O Som da Leitura: Amora, de Natália Polesso

E tem mais movimentação literária na leitura de mulheres em Alegrete. Aliriane falou sobre o evento: "A princípio, para não fugir do escopo Leia Mulheres, estaremos mais efetivamente como parceiras na realização sempre que for lida uma mulher, mas as redes estão aí, somando na leitura e na literatura!" 

Informações sobre o evento na página do Facebook: Em maio, realizaremos a primeira edição do projeto "O Som da Leitura", no qual leremos em voz alta alguns contos do premiado livro de Natália Borges Polesso, "Amora".
O que é "O Som da Leitura"? É uma atividade coletiva de leitura em voz alta. Nosso objetivo é experimentar outras formas de ler uma obra literária, emprestar nossas vozes e ouvidos para o texto e desvendar sentidos que ficam ocultos na leitura silenciosa.
- A atividade é aberta e gratuita. Os encontros serão mensais com datas a definir. Em cada encontro, trabalharemos com uma obra diferente. Se tiver o livro, melhor. Se não, a gente dá um jeito! A única condição para participar do encontro é estar disponível a emprestar a voz e a escuta. O evento será realizado no dia 24/05/2018, sexta-feira às 19h no 23 Pub Bar, na Rua General Vitorino, 305, Alegrete, Rio Grande do Sul.

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Evento O Som da Leitura: Amora, de Natália Polesso

Fotos: Leia Mulheres Alegrete
Imagem de divulgação: Leia Mulheres Alegrete e O Som da Leitura

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1 comments

  1. Parabéns Ana Lucia e Aliriane por esse belo investimento cognitivo com jovens e mulheres. A descoberta do saber é inebriante e oferecer condições para que esse estímulo incentive o crescimento pessoal é apenas o começo. O desafio provoca o desejo de saber mais e o continuismo é garantido.

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