Ditadura portuguesa proibiu Carolina Maria de Jesus

10.10.18


Entrevista com Sirlene Barbosa no Jornal A Tarde, professora de língua portuguesa e doutoranda em Educação pela PUC­SP que lançou a HQ (história em quadrinhos) "Carolina".

Carolina Maria de Jesus, pelo que podemos entender, foi abandonada pela comunidade literária brasileira após aquele seu momento de fama nos anos 1960. Por que a senhora acha que isso aconteceu?

Sirlene Barbosa: Como já antecipado acima, porque ela deixou de ter graça e porque os ditadores não queriam ver estampado a verdadeira realidade brasileira; quiseram abafar a miséria pelo qual o povo passava, diferente do que os generais queriam mostrar, haja vista que Salazar (ditador português) não permitiu a entrada de Quarto de Despejo no seu país. Como já dizia Carolina: é típico de ditador querer calar a voz do povo.

>> Entrevista completa nesse link: https://bit.ly/2ObgxmT <<

Sirlene Barbosa é professora de língua portuguesa e doutoranda em Educação pela PUC­SP. Carolina é sua primeira HQ.

Como surgiu a ideia de escrever uma HQ biográfica da Carolina de Jesus? A senhora ficou feliz com o resultado final?

Sirlene Barbosa: A ideia veio da Sirlene que, em seu ambiente escolar, percebeu a importância da obra de Carolina Maria de Jesus na formação dos estudantes e também constatou o quanto sua obra é pouco conhecida e utilizada por meio de uma pesquisa realizada, em 2014, com os Professores Orientadores de Sala de Leitura da Diretoria Regional de Educação de Itaquera (PMSP): aferiu que de 39 docentes, apenas seis conhecem Carolina, superficialmente, e nenhum deles realizou leituras de sua obra nas salas de leitura que coordenavam. Mais adiante, analisando o acervo digital das bibliotecas paulistanas, com o objetivo de averiguar se a obra de Carolina faz parte da coleção, os autores constataram que todas as unidades disponibilizam para empréstimo pelo menos um livro Quarto de despejo: diário de uma favelada (1960), a obra mais conhecida da escritora; já Diário de Bitita (1986), obra póstuma, está disponível em apenas uma unidade, na Biblioteca Milton Santos, localizada na Zona Leste da cidade. Com apenas uma unidade de Quarto de despejo em cada biblioteca e único volume de Diário de Bitita em toda rede, nos perguntamos: como a escritora será mais estudada e, portanto, conhecida, se as bibliotecas da metrópole de São Paulo não disponibilizam sua obra para os usuários? Soma­se a isso o fato de haver uma lacuna de representação negra nas HQs nacionais. A partir desses dados, propomos contar a vida e parte da obra de Carolina, por meio de uma História em Quadrinhos e objetivamos que o livro chegue às bibliotecas e escolas de todo o país. Sim, nosso intuito é alcançar todo o Brasil, ir além de São Paulo. Desse modo queremos dar nossa colaboração para que o nome de Carolina continue sendo lembrado, não como um objeto estranho, como foi tratada na época de sua aparição, mas como potencial humano e a ESCRITORA que foi. Quanto ao resultado final, não esperaríamos nada menor, pois colocamos todo o nosso esforço e amor neste trabalho.

Como a senhora fez a "decupagem" da biografia de Carolina para escrever a HQ?

Sirlene Barbosa: Este trabalho foi de responsabilidade do autor, João Pinheiro, eu o auxiliei nas escolhas da cena - a decupagem foi feita junto ao roteiro.

Para a senhora, o que Carolina Maria representa para a cultura brasileira hoje?

Sirlene Barbosa: É um ícone importante para a luta das mulheres, as negras, principalmente; para o movimento negro e para lembrar que todos temos o direito à literatura - desde à sua leitura, bem como à sua escrita.

Temas como empoderamento e meritocracia são muito debatidos hoje em dia (nem sempre com a profundidade que gostaríamos). O que Carolina ­ sua obra e história de vida ­ nos dizem sobre essas questões?

Sirlene Barbosa: Carolina se empoderou porque dominava a arte da escrita, porque sempre soube o que era - escritora. Olhar sua trajetória nos faz pensar no quão falho é a ideologia da meritocracia. Não é possível usar Carolina como exemplo do "quem quer, vence". Não é verdade. Ela continuou trabalhando como recicladora, mesmo quando estava prestes de lançar seu livro e digo mais, para o bem ou mal, quem lhe abriu as portas da publicação, não da escrita, porque escritora ela já era, foi um homem branco, de classe média - quero dizer com isso que muitas oportunidades estão trancadas do lado de dentro e quem está dentro não são os negros, indígenas, enfim, povos oprimidos, que muito fizerem e fazem pela nação e pouco tem de garantias. Tanto que Carolina morreu na pobreza. Ela foi esquecida, depois de perder a graça como objeto exótico dos ricos e de "metida à besta", por parte dos pobres.

Carolina foi sua primeira HQ? A senhora pretende escrever outras?

Sirlene Barbosa: Sim, foi! E pretendo escrever outras, sim, com temas voltados para a população negra e pobre brasileira ou apresentar outro grande nome da literatura e da luta contra a escravidão, como Luís Gama - o grande abolicionista que não teve tempo de ver o processo de escravização "abolido", pois faleceu seis anos antes (1882), bem como outros nomes geniais da literatura como Lima Barreto e Maria Firmina dos Reis (autora de Úrsula - talvez a obra que introduz a literatura negra brasileira).

Carolina, pelo que podemos entender, foi abandonada pela comunidade literária brasileira após aquele seu momento de fama nos anos 1960. Por que a senhora acha que isso aconteceu?

Sirlene Barbosa: Como já antecipado acima, porque ela deixou de ter graça e porque os ditadores não queriam ver estampado a verdadeira realidade brasileira; quiseram abafar a miséria pelo qual o povo passava, diferente do que os generais queriam mostrar, haja vista que Salazar (ditador português) não permitiu a entrada de Quarto de despejo no seu país. Como já dizia Carolina: é típico de ditador querer calar a voz do povo.

A literatura negra brasileira hoje está em outro momento, mas ainda sofre com uma certa invisibilidade, correto? Como a senhora vê esse momento hoje e que autores a senhora recomenda?

Sirlene Barbosa: Acredito que a literatura negra ainda não alcançou o espaço que deveria ocupar, mas está crescendo muito. Trabalhos de décadas atrás, como a coleção Cadernos negros, ainda se encontram em evidência. Nomes como Solano Trindade, Abdias do Nascimento, Conceição Evaristo, Oswaldo de Camargo, Cuti, Esmeralda Ribeiro, Márcio Barbosa, Ana Maria Gonçalves (tenho certeza que deixei de citar tantos muitos outros - perdão pela memória fraca) e um que me dá força, me empodera e precisa aparecer mais: o grandioso Lima Barreto.

Leia mais sobre a escritora Carolina Maria de Jesus


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Post: Daniele Carneiro - Magnolia Cartonera | Blog Bibliotecas do Brasil

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